domingo, 19 de outubro de 2008

Sonhos



Quando era pequena, eu sonhava com o balé, dançava pra lá e pra cá, o dia todo se fosse possível. Sonhava com aquela roupa rosa, sapatilhas de ponta e meu corpo livre sobre as pontas dos pés.
Escolhia as músicas e meu coração voava através do som, meu corpo seria como pluma ao vento, salto e giros em 360 º em torno de mim mesma. Os cabelos presos ao entorno de si mesmo, a faixa que seguraria os pequenos e delicados fios que teimavam e se desprender do coque.
E meu corpo naquela dança ao som dos violinos, muitas vezes só dentro da minha própria cabeça, um e dois, um e dois e na ponta e no solo, na ponta e no solo, meia ponta. Mais tarde quando os meus sonhos de menina não puderam ser concretizados na vida real, aprendi os nomes dos passos que dava, na minha imaginação. Termos em francês, o mesmo francês que eu escolhi aprender na escola.
Os braços estendidos para o alto e meu corpo a saltar e cair nas pontas dos pés, não havia dor nos meus sonhos. E ainda hoje sonho com as sapatilhas surradas que nunca tive para calçá-las e me equilibrar em cima de mim mesma.
Sonhos de criança são os melhores sonhos, eu podia voar de avião de caça, podia ser bailarina, podia ser médica, bancária e até astronauta, tudo era possível e sem pensar no sacrifício da vida da bailarina, nas horas diárias de muito alongamento, se esticar pra lá e pra cá, em pensar que a bailarina não pode ser dar ao luxo de descansar quando seus pés e músculos doem. E que pra ser magrinha e flutuar como pluma, o brigadeiro não vai existir como nos sonhos de criança, onde tudo era brigadeiro, piscinas de coca-cola; batata frita e os hambúrgueres o dia todo.
Nenhum sonho da minha vida hoje tem a cor do sonho de menina, e nem o arrepio que era pensar que podia ficar sobre as pontas dos dedos, ou do tênis como fazia, e olha que doía ficar ali em cima do plástico que acabava por fechar aquele sapato inadequado.
Não me tornei uma bailarina de fato, mas danço ao som da vida, dos meus sonhos tão imaginados e vividos de olhos fechados como se fossem reais. O melhor da vida e dos meus sonhos é que ainda sou a bailarina de roupa rosa que anda sobre as pontas dos pés.
(Aline)






durante muito tempo em minha vida vivi um sonho... pra maior parte das pessoas que ler essa frase, vai achar que minha vida era fantasticamente boa, como podem ser fantasticamente bons os sonhos... mas não era bem assim... não é bem disso que falo... falo de viver uma vida que não tinha consistência de realidade... falo de plainar sobre a minha própria existência sem interferir em sua correnteza... consistência de sonho... distante, em preto e branco... sentimentos esfumaçados, imagens vagas... um sonho do qual não se desperta... uma realidade adormecida... faltando aqueles elos lógicos que existem na realidade, mas que nos sonho não fazem falta... pois os sonhos são assim mesmo, pulam de um cenário a outro... surgem pessoas do nada... outras desaparecem... vivi nesse limiar durante muito tempo, tanto que nem sei quanto... exatamente como quando dormimos e não sabemos se foi meia hora ou uma noite inteira... alguns dias eram pesadelos, outros não... de alguns momentos me lembro, de outros não... mas tudo era oniricamente real... um belo dia, estava em uma dinâmica de grupo em que a pergunta chave era: qual é o seu sonho?... empalideci... muito provavelemnte deve ter ficado visível em minha face o meu desespero... qual era o meu sonho?... se há tanto tempo eu vivia em um sem me preocupar em ter um de verdade... não tinha... não achava resposta... enquanto outras pessoas iam descrevendo viagens, aquisições, relacionamentos, eu não achava nada... meu momento de responder se aproximava e eu tentava avidamente descobrir uma resposta dentro de mim... e não tinha... eu não tinha uma resposta... eu não tinha um sonho... nada que eu quisesse? não exatamente... nada que eu me projetasse com dedicação suficiente para conseguir... quando não pude mais desviar a atenção de mim, a resposta veio óbvia... respondi uma dessas coisas que normalmente as pessoas sonham... não me lembro mais o que foi... mas não faz diferença de fato... não era mesmo o meu sonho... era só uma reposta vazia... assim como vazio era o espaço de meu sonho... não me lembrava como era ter sonho... não sabia o que fazer para ter um... sabia que de alguma forma tinha que querer alguma coisa e... e?... passei muito tempo me perguntando isso... lembrando dos sonhos que já tinha tido na vida... passei a perseguir, não propriamente um sonho, mas a idéia de ter um... acho que quando despertei do meu, consegui... quando descobri que a gente tem que se manter acordada na realidade pra poder sonhar... quando descobri que a gente tem que trabalhar pelo sonho, não apenas adormecer nele... acordei e voltei a sonhar... hoje me dou ao luxo de sonhar acordada... mas sei a diferença entre isso e viver dormindo... da realização dos sonhos, nem sempre consigo... de alguns desisto, por outros luto até o final... mas sonho... e vivo minha realidade... e atuo em minha própria vida... com imagens vivas e sentimentos intensos... meu sonho hoje é ser real!
(Ana)






O que você vai ser quando crescer? Ouvi tantas vezes essa pergunta e tive para ela todas as respostas possíveis, no entendimento de criança: professora, astronauta, cantora, cientista, trapezista, enfim, e já com pouca paciência, grande. Sobre meus sonhos, não lembro de alguém ter me perguntado nunca, nem naquela época nem depois. Mas sonhos nunca me faltaram, desde os mais loucos, como ter um poder mágico qualquer ou achar uma garrafa de gênio, aos mais comuns, como encontrar o príncipe encantado, ter uma dúzia de filhos, viver feliz para sempre. Tão velozes os sonhos e a vida sempre tão devagar, cheia de etapas, provas, calendários, esperas . Uma vez ou outra o tempo do sonho coincidiu com o da vida, na maior parte talvez não. Alguns que pareciam tão facilmente realizáveis pularam de uma hora para outra para a categoria dos impossíveis e esses são os que mais incomodam, então, minha mãe não fará o bolo de meus filhos e não estaremos juntos , todos, numa linda foto.
Mas continuo sonhando e relativamente em paz – uma nova faculdade, morar na beira da praia, aprender a tocar piano, olhar no espelho e me achar o máximo – a mulher de agora não tem dívidas com a menina do passado e isso já é melhor que qualquer sonho, mas eles continuam por aí.
(Neysi)
***A foto das bailarinas é da Grazi Nogueira

Um comentário:

Anônimo disse...

Bonito, leve e com conteúdo bem reflexivo
S.