sexta-feira, 28 de novembro de 2008

espelhos


cresci no meio de muitos exemplos... exemplos a seguir e exemplos de não fazer... cresci no meio de muito amor... amor generoso, com doação e sacrifício... amor cuidadoso, com zelos e seus excessos... amor abundante, servido com fartura de quase enfastiar... amor sempre crescente, receita que levava fermento, de bolo, de pizza, fazendo crescer a massa... me fazendo crescer... e foi assim mesmo que cresci, no meio de conflitos... meu espelho era um mosaico... meu reflexo, sempre múltiplo... meu espelho renegava o seu presente fragmentado... reclamava pela sua superfície lisa, perdida num passado remoto... perdia, dia-a-dia, as esperanças de um futuro pleno... a cada vez que meu espelho se partia se somavam sete anos de azar... e foram tantos fragmentos que nenhuma existência duraria tanto... os sete anos de azar de cada caquinho foram se concentrando tanto que o espelho ruiu... e eu que era só reflexo, e mesmo assim me rebelava contra ele, acabei me tornando espelho... minha superfície já não nasceu lisa... ondulava, era incerta, deformava imagens, lembranças... e fui me partindo, como o espelho que me refletia... espelho que eu não queria ser... o meu avesso... minha auto-afirmação que sempre fora a negação do meu espelho, se refletia igual a ele... no lugar da minha própria imagem, um vazio, múltiplo vazio... fragmentos, conflitos... mas tinha o amor, havia os exemplos... e foram eles que me sustentaram... minha moldura... ainda não dá pra confiar na imagem que meu espelho reflete... mas despedaçar ele não vai... e os sete anos de azar?... deixo pra quem acredita... os que tinha que viver, eu já vivi... agora, eu sou amor e exemplo, unidos numa superfície só...
(Ana)



Virtual


Olho todo dia o espelho. Às vezes me reconheço, às vezes não. Como é mesmo esse rosto que tenho? Quem você vê quando olha para mim? Estaremos juntas, um dia, as três: a que vê, a que é vista e essa outra que é só reflexo. Então, trocaremos de lugar...

***
A boca. Os olhos. A curva dos ombros, os pés...Um rosto, meu rosto... Desmonto meu quebra-cabeça: águas de Narciso, espelho de Medusa, salvo-me pela fragmentação.Em lugar nenhum sou inteira. Construo um ser ao meu gosto e tudo me serve de espelho.Cabelos, pescoço, olheiras que deveriam ter sido transitórias.Reflexos, miragens, tudo parte de mim, fragmentos sem sombras. E essa dor inexplicável de existir, em algum lugar, de alguma forma
(Neysi)




O espelho que me reflete, não tem forma certa, hora reflete uma pessoa boa; generosa; que quer o bem de todas as pessoas que me cercam, e ora reflete a imagem de uma invejosa.
Não agüento ver pessoas apadrinhadas conseguindo vagas de emprego que os pobres mortais como eu, não conseguem.
Pessoas que como eu tem que ralar muito pra ter o que tem. Meu espelho está torto, está quebrado, assim como meu orgulho.
Tive exemplos de luta em todos os lados da minha família, mãe e tios, primos, todos ralando. Tive exemplos ruins do meu pai, de que a vida é mais fácil, passando as pessoas pra trás. Roubando dos próprios filhos, roubando amor, dinheiro, dignidade.
Se meu espelho hoje estivesse inteiro, ia refletir uma pessoa em cacos. Que não tem nem como se mover, pro restinho do mosaico não se desfazer. Cacos! Às vezes é bom, já que não tem mais onde quebrar, o que podemos fazer, é começar a colar e se por de pé novamente.
E assim meu jarro de vida, vai sendo colado. Ele está remendado a muitos anos, e continua tentando não deixar escapar a água, que às vezes jorra pelos canais lacrimais. Nem sei como cheguei aqui, nem sei se algum dia estive inteira! Sou apenas um reflexo da situação da maioria dos brasileiros, todos lutando para se manter de pé, pra pagar as contas, pra sonhar com um futuro melhor.
Calma! Que eu tenho pressa. Tenho pressa de me colocar na batalha de novo, de fazer meu futuro bom, ser amanhã. Fazer com que meus sonhos profissionais se realizem, que meus cacos virem logo um jarro inteiro, com marcas quase imperceptíveis.
Este espelho que sonhamos desde que aprendemos a nos olhar nele, mostre uma pessoa mais feliz e mais forte.
(Aline)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Reticências, entrelinhas, verbos...


Reticente...

minha marca textual são as reticências... em todo texto que escrevo, elas estão presentes... entre uma frase e outra, entre um pensamento e outro... não sei bem o porquê... mas acredito que seja porque me parece injusto terminar uma frase com um ponto final... a mim, o ponto parece limitar o conteúdo... e a idéia vai sempre mais além... nos meus textos, há um infinito espaço a ser preenchido por quem lê... o espaço das reticências... das idéias que ficaram subentendidas, das imagens que vieram a mente, dos sentimentos que foram despertados, das tensões que foram criadas... espaço que não é pra ficar vazio... que não tem formatação convencional... que segue ritimado pelos três pontinhos entre um momento e outro do pensamento... mas a expressão pessoa reticente me incomoda... sempre a vi com um caráter negativo... idéia de alguém que nunca diz tudo, que não completa seus pensamentos, que está sempre deixando a entender, insinunado coisas... não queria ser reticente, duvidosa... na minha personalidade, quero sim ter pontos bem definidos... idéias de início, meio e fim... dois pontos, pausa, parágrafos, travessões, hora pra falar, hora pra narrar, momento de finalizar idéias... na minha vida, não sou reticente... sou sim é mais incisiva, mais direta, mais bem definida... só que o que me ajuda a me definir é exatamente o que escrevo, pontuado de reticências...
(Ana)



Básica

As primeiras coisas que escrevi eram assim, carregadas de reticências. Uma amiga me disse que era um recurso pobre do ponto de vista da língua, ela preferia a precisão das frases bem pontuadas. É claro que eu me lembrei de belos textos cheios de reticências, mandei um poema de Quintana para ela, mas o fato é que as reticências foram sumindo do meu texto à medida que a minha confiança foi aumentando. Percebi que um ponto não matava uma idéia. Não sei a escrita melhorou ou não, mas talvez a falta delas, aliada à minha implicância com os adjetivos e a minha inabilidade ou impaciência com figuras de linguagem, tornaram meu texto sintético e seco. Talvez por isso prefira a poesia. Ou a tentativa dela.
Na vida não sou tão despojada, nem tão objetiva. Como boa libriana hesito sempre, sou a reticência em pessoa.Mas nisso com certeza eu melhorei, idade tem que trazer alguma vantagem, então se é para decidir ,escolher, tento fazer logo. Mas conservo algumas reticências de estimação e gosto de brincar com as entrelinhas. Talvez seja o que eu saiba fazer melhor...
Ah, e que não restem dúvidas: Aninha, adoro suas reticências!
(Neysi)




Pontuando a vida

O verbo é o início de tudo, é quando começa a história de cada um, um nome, um significado, o depósito de esperança. Nasce o novo, e assim começa nossa vida.
Como vamos escrevendo este livro,é o que nos diferencia um dos outros. Pensando na minha pequena obra, hoje sei que ela está cercada de pontos finais. A cada estrada que eu percorria da minha história, havia sempre um ponto final pra cada etapa; aprendi aos poucos que o ponto final fazia parte de tudo, e que não indicava o fim extremo, e sim a possibilidade de começar de novo, de iniciar um novo capítulo, uma nova jornada.
Cada história teve muitas virgulas, onde eu tomava o fôlego para continuar as vivências, para respirar e até para tentar aliviar as dores de cada narrativa triste. Onde eu podia absorver o ar e olhar em que direção eu deveria seguir. Mas os pontos finais, logo se apresentariam. E muitas vezes só suportei cada etapa desta marcha, porque acreditei que eles estariam próximos, à distância de uma curva, de mais um passo.
Hoje, quando estou percorrendo meu caminho, e nuvens pesadas se aproximam, consigo apreciar as virgulas e esperar que o ponto final chegue. Meus passos diminuem, não tento mais fugir dos percalços, só respiro fundo e penso que a chuva vai cair, que os ventos vão soprar, mas que logo ali na frente eu encontrarei o tão esperado ponto final. Virgulas e pontos finais, minha biografia está cheia deles, e eu me orgulho disto.
De verbo me tornei adjetivo, substantivos e me recriei em novos verbos, em novos pontos e assim continua meu pequeno conto, até que a última pagina seja preenchida.
(Aline)

sábado, 22 de novembro de 2008

Desenhos


sempre fui cercada de pessoas que sabiam desenhar...minha avó pouco sabia do mundo dos escritos, mas desenhava cada letra de seu nome ao assiná-lo, para não fazer feio... meu pai, de mãos rudes de fazer artes mais brutas, em ferro e madeira, sabia desenhar peixe e passarinho... seres de sua infância mineira, com os quais conviveu muito de perto... minha mãe dizia que não sabia desenhar, mas era mentira... seus desenhos, como ela, não tinham traços reais, mas possuíam uma estética infantil, que não era menos verdadeira, nem menos bela... minha irmã desenhava de tudo, fisionomias de cabeça com as expressões que guardava na memória, seres estilizados que dançavam em roda, imagens que queria ter vivido, traços encadeados... meu irmão desenhava a perfeição, cavalos, cachorros, mulheres, tudo perfeito, com movimentos técnicos... eu desenhava cópias, observava e tentava imitar... as letras da minha avó, os peixes e pássaros do meu pai, as bonecas e casinhas da minha mãe, os traços livres da minha irmã, o tecnicismo do meu irmão... meu amigo querido, esse eu já tinha esquecido que desenhava, só tinha na memória uma vaga idéia de que já vira desenhos dele, mas não sabia se era realidade ou imaginação... já recebi muitos desenhos que não guardei, pessoas especiais que eu perdi sem querer em alguma gaveta... os que vieram depois de mim também desenham bem.... minha filha, quando pequena, não desenhava gente, só paisagens, hoje é ela que faz os cartazes dos trabalhos de grupo da escola... meu filho, quando bebê novinho, fechava linhas em círculos, adiantando-se ao seu tempo, hoje já pinta dentro das linhas e gosta de desenhar carros, famílias e casas... meus amigos e filhos eu não copio, mas admiro... absorvo, me transformo... os entendo através dos desenhos... os meus verdadeiros traços são sempre linhas perdidas que se emaranham... não têm começo, partem de qualquer lugar e nunca sei onde vão terminar... começam, às vezes, curvos, terminam retos... ou ao contrário, tanto faz... vão se amontoando e se completando até tomar todo o papel... às vezes têm olhos, bocas... mas nunca têm rostos inteiros... já fiz muito desenhos em linhas simples, quase contornos, para montar alfabetários, ajudar meus alunos a entender as letras e seus sons... é muito mais fácil ler desenhos do que letras... existem pessoas que vêem significados nos desenhos... compreendem a alma das pessoas através deles... deve ser verdade... minha alma, eu não sei onde começa, nem termina... e já quis tanto ser igual... mas por qualquer motivo me embaralho e me espalho pela superfície lisa que bem poderia ser a de um papel... mas me mostro com muita facilidade em contornos de linhas simples... hoje, minha vida se desenha em labirintos, perlês de confeitar bolo e bordar tecidos... com uma necessidade imensa de preencher os espaços vazios... meu desenho ainda é incompleto e sempre o será enquanto ainda houver papel e detalhes minuciosos para completar... enquanto ainda houver grafite... até a mão não ser mais firme... enquanto houver alma pra desenhar...
(Ana)


Imperícia; falta de talento, falta de segurança. Nunca fui boa em desenhos, nem mesmo na escola. Lembro da recuperação na sétima série, na matéria DESENHO. Se na mão falta habilidade para desenhar, imagina segurar um compasso e fazer dele uma extensão de minha mente.Não daria certo mesmo. Mas juntamente com o sonho de bailarina que não sentia dor, existia e ainda existe o sonho de desenhar, de colocar no papel o que minha arte deseja. Poder perpetuar meus pensamentos e minhas cores. Não é falta de amor ao desenho não, minhas telas a óleo mostram isto, se gosto de pintar, todos acabam achando que sei desenhar. Minha poesia cabe nas cores, mas não nos traços que tento com eles expressar.Garatujas, não passam de garatujas. Pra fazer um quadro mais elaborado, tinha a folha de papel vegetal, papel carbono verde e xerox ampliado. Sabe o papel quadriculado? Nem com ele conseguia copiar nada. Nunca, nem uma casa, nem um barco, nem uma árvore, nem um passarinho e nem uma borboleta dentuça como as da minha filha. A tartaruga que bebe água com a língua pra fora. Nada disto, saiu de dentro das articulações da mão, coordenação motora, pra desenho, nenhuma. As aulas lá na escola técnica de publicidade do Rio, foram testemunhas do suor que escorria da face, não pelo calor do verão do Rio de Janeiro, mas pela inabilidade de colocar no papel a luz e a sombra do desenho que tinha que reproduzir!Quanto orgulho do meu equipamento de nanquim emprestado pela tia Arquiteta, minha pasta A4, meus lápis, mas na hora de usá-los o sofrimento de produzir algo medíocre.Já pensei em fazer um curso, já vi até o preço, mas é como cantar, outro sonho de criança. Pra conquistá-los vou ter que me expor na frente de outros. E aí, emperra.Posso mostrar-me aqui, nas palavras, nos sentimentos e na verdade que saí do coração, mas estou só. Só como nasci e como vivi, a minha arte nasce da solidão, da música que toca dentro de mim.Meus borrões! Guardo pra mim, dentro da caixinha destinadas a eles. Caixinha tão bem guardada que nem sei onde ela está e ainda não consegui procurá-la. Nanquim, carvão, lápis de cor, hidrocor, guache, tinta óleo, acrílica, todas vão morar em mim e peço a vocês, deixe-me usá-las só nas letras e no que meu coração insiste em sentir.Desenhar, quem sabe um dia, assim como cantar!

(Aline)

Eu gostava de desenhar. Talvez fizesse isso bem, ou talvez convencesse pela insistência. Eu particularmente nunca achei meus desenhos bons, mas isso não importa. Cada cantinho de papel vazio ganhava mesmo sem pedir um desenho, assim lá estavam, com tinta de caneta esferográfica, os colegas de turma, os professores, figuras de braços enormes, contorcidas como se fossem de borracha. olhos e espirais intermináveis. Meu filho faz o mesmo, somos, pelo visto, dois sonhadores desatentos.
“Faz o aí o rosto do Papa, o D. Pedro I, o homem das cavernas! Não diga que não sabe, sua tia pediu, você rabisca o tempo todo, na hora que precisa é essa má vontade...” É, tinha o lado ruim também, mas acho que não foi por isso que parei de desenhar, fui perdendo a vontade e a necessidade de fazer. Fui perdendo também o tempo ocioso ao lado de papéis e lápis, não somos mais tão íntimos.
Hoje aprecio os espaços vazios. Até para escrever uso poucas palavras, faço com elas um contorno para o silêncio e só. Por isso demoro tanto a atualizar esse blog...se ficasse por conta das meninas teríamos quase todos os dias bons textos.
(Neysi)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Clarissa


Uma menina sempre animada. Aquela que fala, fala de manhã enquanto todo mundo ainda está dormindo. Uma menina de bom coração e boa vontade.
Não é nada sem amigos. Mesmo que ás vezes precise “autistar” um pouco, seja falando sozinha, rindo sozinha, ou escrevendo no quadro negro. Mesmo sendo quieta para uns e animada para outros, sempre com seu jeito um pouco louco de viver a vida.
Uma menina que te faz rir, a que ri junto e chora junto, a que te protege, te escuta e te entende. Fala um monte de besteira, gosta que a escutem. Sabe amar, sabe ser amiga, sabe ser de tudo um pouco.
Nem sempre se expressa através de palavras, muitas vezes é através de uma simples ação no dia-a-dia, um simples sorriso ou olhar. Mas uma menina com um ENORME coração.
Ama esportes, vôlei é sua paixão. Ama a família, amigos, e apaixonada pelo verde da vida. Adora brincar, adora mistério, adora investigar e adora aprender. Um tanto curiosa.
Não consegue ficar parada, não é NADA normal. Gosta de ser diferente. É tímida mas muito alegre. Louca?? Não, apenas feliz.
Ninguém sabe o que se passa pela sua cabeça. Pensamentos confusos, um monte e coisa ao mesmo tempo.
Gosta de pensar em como é bom ter amigos. Lembrando sempre que conhecer muita gente não é o mesmo que ter amigos. Se baseia em: “Viva cada minuto de sua vida como se fosse o último pois nada se sabe sobre o dia de amanhã.”
O que fala é desorganizado e sem sentido. Entendê-la? Quase impossível!
(Clarissa)

sábado, 8 de novembro de 2008

plantas, bichos, gentes



cresci num universo vivo... vivo em todos os sentidos, em todas as nuances... vivo porque vivido, vivenciado, experimentado com emoções, sensações, descobertas vivas... reais, sobrenaturais, intensas... cercada de seres vivos... plantas, bichos, gentes... lembro de mim sentada em um dos três degraus que davam da varanda para o corredor que levava ao quintal... um corredor repleto de plantas e um balanço... quase não havia espaço pra passar... sentava ali pra ver filas de formigas passando... pra cavucar a terra procurando minhocas... pra revirar as folhas tentando achar caramujos, caracóis... pra fugir da tartaruga que mordia calcanhares... pra observar os marimbondos fazendo casa na beirada do telhado.... pra observar as folhas que as lagartas comiam o verde pelo meio e deixavam apenas uma fina película no lugar... pra encontrar casulos nas finas folhas das palmeirinhas... pra ver os lírios nascerem... os lírios... passavam horas para descolarem as pétalas... iam se soltando uma das outras lentamente... às vezes não conseguia esperar... dava uma ajudinha com a pontinha do dedo... bastava uma pequena pressão e elas se abriam todas... doce aroma emanado... como uma florzinha tão pequena tinha um perfume tão forte e bom... muitos anos mais tarde, aprendi que as flores brancas, normalmente, abrem à noite e têm um perfume mais intenso, pra chamar a atenção dos parceiros que vão ajudar na sua fecundação, já que no escuro, flores sem perfume não atrairiam os insetos, cores chamativas também não fariam diferença, até mesmo por isso que são brancas, pra se realçarem à noite... depois disso entendi porque elas demoravam tanto a abrir, começavam de dia, mas só deveriam terminar de abrir à noite, pra liberar todo o seu perfume e chamar os insetinhos... e eu, já naquela época ansiosa, abreviava o tempo da floração e atrapalhava a fertilização das pobres coitadas... rs... só pra ver o espetáculo delas abrindo... só pra sentir o seu perfume... havia outras plantas... plantas que se ficassem no sol ficavam verdes, se ficassem na sombra ficavam roxas... plantas que tinham nome bonito, brinco de princesa, imaginava se uma princesa teria mesmo o capricho de fazer das belas flores seus brincos... alfinete, que espetava... jibóia, que crescia na água e na terra... a que vivia na água tinha um peixinho nadando dentro de seu vaso... idéias de meu pai pra não dar larva de mosquito... e nem era tempo de dengue ainda... renda portuguesa, pipa, azaléia (nome de sandália), espada de são jorge e a temível... comigo-ninguém-pode... que dava medo até de encostar a mão, senão morria... tinha também mais bicho, coelho, sapo criado desde girino, pintinho, gata que foi entrando e ficou morando na casa, cachorro, hamster, periquito, passarinho, peixinho dourado, peixinho de rio... cresci no meio da vida em floração, em atividade, em desenvolvimento... nascimento, vida e morte... mas cresci e não aprendi a cuidar de planta, sempre deixo morrer... nem de bicho, não dou o carinho devido... teve época que isso me assustou... pensei comigo mesma, se não sei cuidar de um ser vivo, como poderei ter filhos?... graças a deus, quando tive filhos, eles não morreram de sede, nem lhes faltou carinho... a natureza é sábia e apesar da minha falta de jeito com os demais seres vivos, me fez boa mãe... eu acho, né?... mas só eles vão poder dizer no futuro... instinto talvez... a força da natureza que comanda todas as coisas... a mesma força que fazem os lírios brancos abrirem à noite, perfumados
(Ana)


É um tema que há muitos anos era difícil pra mim. Não que não gostasse de plantas e bichos, eu realmente gostava. Mas, não sabia cuidar deles. As plantinhas eu afogava ou matava de sede, os bichinhos eu não tinha paciência. Na verdade gostava de brincar com eles, mas não gostava de limpar a sujeira que eles faziam.
Eu era uma criança. Criança gosta de bichos como se fossem seus amiguinhos, e amiguinhos não tem que limpar o cocô uns dos outros. As plantas foram motivos de várias experiências, eu pegava todos os produtos de limpeza, uma seringa com agulha e injetava as minhas invenções nelas, acreditava que eu ia descobrir a fórmula para elas crescerem, e seria como meu pé de feijão. Sorte é que elas resistiram as minhas investidas.
O peixinho do Sergio, eu quis segurá-lo pra sentir como era ter algo vivo nas mãos, mas não sabia que tirando ele da água, ele se debateria e morreria, e foi o que aconteceu, se debateu nas minhas pequenas mãos e caiu no chão. O susto foi grande e corri de medo, e o medo maior era da bronca de matar o peixinho que era do meu primo, corri e coloquei o peixinho dourado de volta, já sem vida no aquário.
Fui crescendo e pensando, como será minha vida, não consigo manter minhas plantas vivas, como será com um filho? E a ordem se inverteu, tive a filha e aprendi a cuidar não só dela, mas como de mim, das plantas e até dos bichinhos.
Eu cresci, agora já sei cuidar!
Vieram os peixes, as plantas e o cão. Tenho vaso com sete ervas na porta de casa, pra proteger, cheflera, árvore da felicidade, cactos, jabuticabeira, lírios da paz e outras que nem sei o nome. Todas estão vivas!
E meu cão, Timmy Turner, um cocker part color, muito lindo, meigo, carinhoso, amigo, companheirão, ele hoje é o primeiro a ser atendido nas suas necessidades, limpar a sujeira, trocar a água, dar comida, lavar seu quintal. Uma rotina que não me cansa, pois este cãozinho que mais parece um filho meu, faz a diferença nas nossas vidas, minha, da minha filha e do meu marido. Uma casa sem plantas, sem animaizinhos, parece não ter vida!
A vida foi se fazendo aos poucos dentro de mim. Cresci vendo minha família toda amar as plantas e a conversar sobre elas, e pedir uma mudinha de planta, quando gostava da plantinha e ainda não tinha nenhuma daquela espécie; cresci sabendo que as plantas também sentiam o nosso ambiente, que uma pessoa com "olho gordo" poderia matar uma plantinha que chamasse atenção, mas que isto deveria ser visto como coisa boa, porque aquela energia ruim, não nos atingiu, a natureza havia capturado esta energia, filtrado algo ruim.
A natureza se faz tão presente nas nossas vidas, que hoje escolhi viver perto dela, aqui no pé da serra onde eu moro cercada por árvores, por natureza, posso admirar as lagartas peludas subindo pela parede, as minhocas na terra viva das plantas, os tatus-bola que minha filha insiste em capturar, a vida, o sol que nasce e que se põe, o galo que canta logo cedo, os pássaros. Aprendi que na vida o que importa é o natural, aquilo que se movimenta no ritmo do mundo que nos cerca, e só observando este mundo e nos conhecendo, podemos sentir que realmente estamos vivos!
(Aline)




Uma bola de pelos arrepiados amarrada com um laço cor de rosa. Umas trezentas gramas, não muito mais. Joana trouxe a gata já pronta para cair no choro se alguém recusasse a hóspede. E o que adianta falar do cachorro enorme e estabanado que com uma focinhada pode esmagar a coitada? Ela é assim porque a mãe não lambeu, a veterinária é que falou, senão teria o pelo lisinho igual aos outros gatos, eu já comprei ração, areia , brinquedo, ela pode ficar, não pode? Ficou, e agora faz companhia ao casal de periquitos, não demora está brincando com o cachorro também.
Eu achava que cuidar de bichos era muito trabalhoso, mas cuidar de gente é que é. Olho para as crianças crescendo e sinto medo, o que vai acontecer com essas pessoinhas que eu trouxe para o mundo, o que elas esperam da vida e o que a vida espera delas? Juca fez a barba, Joana tem um pretendente. Precisam roupas novas, o tênis já não cabe. Precisam estudar, aprender profissão, fazer escolhas difíceis que eu não tenho como ajudar. Gente dá muito trabalho.
Enquanto isso o jasmineiro abre suas flores brancas, os copos de leite disputam espaço com as hortênsias e o cachorro estabanado, numa corrida, passa por cima de tudo.

(Neysi)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Nádia


Me vejo procurando as palavras, tenho receio de parecer piegas ao falar de minha vida incomum. Sabe a família do comercial de margarina, onde a mãe prepara um pão quentinho pro filho e o pai olha apaixonado para a mãe, todos sorrindo?
Esqueça. Sou mais “gauche”do que Drummond.
Mãe solteira nos anos setenta em uma cidadezinha do interior do Paraná chamada Lapa, minha progenitora entrou sozinha na maternidade. Meus padrinhos, outros párias da sociedade: ele gay e ela lésbica. Quando entraram na igreja me batizar o padre engasgou e perguntou quem era o madrinho quem era a padrinha?
Nasci sem o nome de pai. Quando entrei na escolinha aos dois anos, duas mães foram retirar os filhos para não se misturarem comigo. Além dessa infectível sensação de ser diferente, de ter alguma coisa errada comigo, eu ERA diferente. Criança com bicho carpinteiro, imaginação sempre a mil, hiperativa, desligada, sensível, aos 4 anos já lia e escrevia, não que isso tenha me ajudado....fui considerada gênio e “retardada” com a mesma velocidade e as vezes, ao mesmo tempo. Matemática é como aramaico, sempre foi. Mas em compensação sempre ligada com música clássica, apaixonada por Chopin desde criança, aos seis eu disse que eu deveria entrar para o ballet porque toda atriz dançava ballet! Aos sete estava também no piano, e aos nove, resolvi ler um livro de adulto, porque sentia o desejo de viajar e conhecer o mundo, mas como não tinha condições, resolvi viajar lendo. O piano acabei desistindo por não ter onde estudar, mas cursei cinco anos. (detalhe o livro era Tocaia Grande, de Jorge Amado, e sou uma devoradora de livros até hoje).
Penso nessa época sempre com muito carinho, lembro de ser um animal quase incontrolável, o pesadelo de professores, a liderança das outras crianças. Penso nas tardes de janela, esperando por um homem que nunca veio, mas que tinha o rosto de Elvis Presley, o óculos rayban, inclusive. Ele parava do outro lado da rua, e ficava me olhando. De repente atravessava a rua e me dizia : “uau! Você é uma menina incrível!”
Aos quinze anos, como o Elvis não apareceu, fui até ele. Tudo bem, não era a cara do Elvis e o nariz era enorme para meus padrões presleynianos. Mas a atitude não era do meu herói. Ao entrar e me olhar, disse que eu não era nem um pouco parecida com ele. Pegou minha mão, disse deve ser estranho não é, um estranho ser seu pai. Mas você! Nunca me incomodou! Tive outra filha assim como você, NA RUA, mas me incomodou muito, exigiram meu nome e pensão e blá blá blá...e eu olhando para aquele homem, homem fraco, que não me disse nada ao coração, mas a quem eu devia minha vida de certa maneira. O doador de esperma que me trouxe ao mundo. Faço aqui uma pequena reflexão, cumprimento os pais de mel, os pais que criam seus filhos com amor mesmo que não sejam biologicamente seus. Esses sim merecem a alcunha de pai.
Um chocolatinho, uma revistinha, um dinheirinho, e disse que sempre me visitaria. Pura balela, nunca mais. Mas avisou aos filhos que eu existia no medo de que um filho namorasse a irmã “da rua”. A filha mais velha e o do meio falaram que eu continuava não existindo,o mais novo veio até a Lapa me conhecer. Fizemos amizade, mas quando se casou, diz o boato que, por algum motivo que nem imagino qual seja, a esposa tem ciúmes de mim, e ele me cortou. E eu hoje em dia, na verdade nem lembro que existem também, quero gostar de quem gosta de mim! A única história que reivindico para mim do meu doador de esperma, é de sua avó. Uma bugra de Blumenau, caçado por um Italiano no mato e amarrada para que se acostumasse na cidade. Essa índia as vezes ferve dentro de mim, sinto ela correndo nas minhas veias.
Relação com a mãe, sempre conturbada, bem dizer infernal. Água e vinho, nunca nos entendemos, tentamos conviver. Aos 15 anos o primeiro emprego, como Locutora de Rádio, que ótimo, pode-se então amenizar o comportamento da adolescente excêntrica com uma profissão. Aos 18, casei-me com um militar. Outra relação fadada ao fracasso, as diferenças eram um oceano inteiro, e o sofrimento teria sido menor para ambos se tivesse terminado antes. Engatei outro casamento em seguida, com alguém que viria a ser meu melhor amigo, mas apenas amigo...nisso passaram-se muitos anos, do rádio passei para o teatro, dois prêmios como atriz, sonhos de uma vida que acabaram-se quando o amigo decidiu que tinha que ir procurar uma felicidade real, e eu fiquei com os escombros de tudo que eu sonhara um dia. Não tinha nada de concreto profissionalmente, tinha antes a sensação de que tinha que matar um leão com as unhas a cada estréia nova, ou quando ia fazer teatro na periferia, dentro dos lugares mais inimagináveis!
Neste cenário fiquei sabendo da UnC e conheci uma mulher que faz pelos outros, nome dela é Cirene, ela me orientou quanto ao ingresso na Universidade, e até hoje, ela sempre que pode é meu amparo. Acabei entrando no final da segunda fase de Artes Visuais, e fico admirada de ver como as coisas das quais gostava ali eram valorizadas!
Passei momentos incríveis lá e fiz o que pude por meus colegas. Penso sempre que todos ali levam o nome da minha Universidade com eles, e todo conhecimento compartilhado é em benefício de todos. Mal imaginava que agora, no final, quando to me arrastando, com vontade de desistir, meus colegas seriam por mim! Explico....
Talvez lá no fundo, eu quisesse um comercial de margarina na minha casa. Queria uma família, uma forte figura masculina em meu lar, e no final das contas acabei sozinha, com duas filhas pra criar. O quarto de pensão do amor do meu coração está vago, ninguém mora ali, e mesmo que aparecesse alguém legal, como já apareceu, eu acabaria boicotando...no fundo, tenho medo de ficar com mais uma criança nos braços, e sozinha. Sou homem e mulher da casa, tenho que engrossar com o pedreiro, tenho que atender a porta fora de hora feito macho, tenho que trabalhar para sustentar as meninas. Alguém na minha vida de novo? Tenho medo de mais uma vez, não dar certo, por este motivo ou aquele. Penso que quis demais essa família dos meus sonhos, esse homem dos meus sonhos, e como ele não apareceu, perdi o sal da minha vida. Nem ao menos viver na profissão de atriz, coisa que amo, eu consegui. Me sinto deslocada, torta, errada e sem direção. Pensei seriamente em desistir, e talvez eu venha fazendo coisas para que isso aconteça, talvez no fundo eu não me considere digna de usar uma beca. De ser um pouco feliz. Mas Deus é tão bom pra mim que não tenho homem ao meu lado, mas uma colega de estágio muito, muito forte. E professoras como Raquel e Lucimara que me olham sem compreender minhas atitudes, mas que mesmo assim, ainda assim, me ajudam.
Gostaria que daqui a alguns anos, eu olhasse para trás e me visse como estou agora, feliz por estar mais forte. Não por ter enfrentado tudo com dignidade, estou apenas sendo empurrada por pessoas que desejam meu sucesso. Mas por ser uma sobrevivente.

(Nádia)

sábado, 1 de novembro de 2008

Equilíbrio



tenho saudades de mim mesma... saudades dos momentos em que me senti segura e protegida... feliz... não me sinto assim agora... poderosa... me sinto extremamente frágil... quase quebradiça... tenho saudade da plenitude... daquela sensação que dá algumas vezes na vida que nos induzem a pensar que podemos tudo... que somos imabatíveis... que todas as nossas empreitadas darão certo... sensação de super-herói... em compensação... me sinto mergulhada na sensação de impotência, quase incapacidade diante das vida, dos fatos, das pessoas, dos desejos... o certo deve ser isso mesmo... não podemos controlar tudo o tempo todo... quando conseguimos ser bem sucedidos frente a alguma coisa controlável, somos super-heróis... quando perecemos frente ao que não conseguimos conter ou dominar, somos impotentes... o problema é o desequilíbrio... o problema maior ainda é identificar cada uma das situações... difícil isso... ter discernimento... é a coisa mais dificil do mundo... decidir com sabedoria a hora de agir e a hora de resignar... resignar é difícil às vezes... agir também é... e aquela velha história que a pessoa tem que ter as rédeas da própria vida... mas as rédeas de que, dentro da própria vida?... não é de tudo que podemos... podemos mudar nosso futuro? fazer nosso próprio caminho?... ou devemos nos render ao destino? aguardar o que a vida nos reserva?... só sei que tem horas que queria super-herói e queria não ter o poder... e tem horas que me sinto impotente e queria ser super-herói... será que não dá pra sincronizar?... acho que é esse o segredo de ser feliz... equilíbrio e sincronia... do nosso próprio universo pessoal... assim não haveria ansiedade... a dor seria suportável... a alegria seria bem aproveitada... ficaríamos em paz com todo o restante do universo...


(Ana)







O mundo está lá fora e aqui dentro, dentro de mim!
A vida passa pela janela, o vento canta a música de todos nós.
Vejo o balançar das árvores e dos meus pensamentos.
No leste, o sol surge fraco ainda. E ao longo da minha jornada, vai alaranjando o céu, e morre atrás da igrejinha.
A areia fina sob meus pés, me ligam a terra, me fazem perceber que estou viva!
Sinto no vento o cheiro de sal, o sal da terra. O que me faz perceber a vida em sua plenitude.
Água fresca molha minhas pernas, e minha pele sente o alívio de sentir a ligação com o belo.
Tudo em equilíbrio e sincronia, a conexão com o universo e eu, parada sentindo a força das minhas veias. A vida se mostra em todos os lugares onde estou.
Viva! O ar percorre meus pulmões.
O êxtase de sentir tudo!
(Aline)






Era nessa época quando o tempo começa a esquentar, as janelas ficavam abertas até mais tarde, vinha da rua um cheiro de flor e o piso ficava quente do sol da tarde. Fim do ano chegando, férias, Natal, coisas que não falhavam, não falhariam nunca...Trazer da padaria da esquina o pão embrulhado em papel cinza e amarrado com barbante, usar o papel para desenhar depois.
Um dia no colégio a professora decreta: vocês que são adolescentes e estão na fase dos namoros...não lembro o resto do comentário, adolescência para mim era uma palavra de revista, não parecia ter nada a ver com a menina que eu era, mas palavra de professor é palavra de professor, e eu, menos segura que antes, procurava no espelho a adolescente que ainda não existia.
Segurança, plenitude, sei lá, acho que ficaram talvez nessas lembranças despreocupadas da infância, onde a vida se oferece inteira, um cacho de possiblidades presas ao galho aparentemente baixo de uma árvore. Fora isso, alguns momentos raros e rápidos, um diploma na mão , um filho na barriga, um beijo .
Equilíbrio custei a entender o que era. Tinha a idéia de coisas imóveis, estáticas. Demorei a entender as oscilações de minha balança. Sou definitivamente uma criatura da falta, da busca, da beira do abismo. O nirvana não é para mim. As rédeas da vida, se eu tentar segurar vou com certeza errar o caminho, então confio no instinto animal. Mas atravesso minhas pontes incertas ,minhas estradas íngremes, com um passo atrás do outro, um olho no destino outro no caminho, um frio na barriga e muitas vezes a vontade de voltar...
Tenho quase sempre conseguido chegar, ainda que o chegar não passe de um mudar de rota.




(Neysi)